
Vidas descartáveis: nossos “animais de estimação”
13 de julho de 2009
– Paula Brügger
De onde vêm nossos animais de estimação? Muitos, comprados em lojas, são provenientes de “fábricas de filhotes”, empresas de pequeno porte que criam animais (geralmente cães) para serem vendidos em pet shops. São atividades de “fundo de quintal” que expõem os animais a situações de superpopulação, falta de higiene e ausência de cuidados veterinários e socialização. É comum que cães de “fábricas de filhotes” desenvolvam problemas físicos e psicológicos quando crescem. Muitos deles, ou seus filhotes, são abandonados. Se tiverem sorte, serão recolhidos e levados para um abrigo ou canil e talvez encontrem um lar. Estima-se que 25 milhões de animais vão parar nas ruas a cada ano, sendo que até 27 % destes são cães de raça. Desses 25 milhões de animais, 9 milhões, em média, morrem nas ruas de doenças, fome, ferimentos, ou outros perigos presentes na vida de rua. Muitos são cães perdidos, ou simplesmente abandonados por seus donos. Os restantes 16 milhões são mortos por falta de espaço em abrigos ou canis. Quase 50% dos animais que ingressam nos canis são trazidos por seus próprios donos. Muitas pessoas alegam que não visitam canis porque é deprimente. Mas se há tantos animais em lugares horríveis assim é porque as pessoas não castram seus animais. Muitas pessoas – principalmente os homens – acham que castrar seu animal afetará também sua virilidade ou sexualidade. Outros simplesmente desejam que seus filhos vivenciem o “milagre da vida” (presenciar o nascimento de novos animais). São proprietários assim que perpetuam o processo de “eutanásia” de mais de 60.000 animais todos os dias. Algumas das difíceis questões que devemos nos perguntar sobre nossos animais de estimação são: “podemos ter animais de estimação e atender às suas necessidades?”; “nós os mantemos pelos seus interesses ou os estamos explorando?” A maioria dos humanos é especista. Consentem e permitem que seus impostos financiem práticas que implicam o sacrifício dos mais importantes interesses de membros de outras espécies para promover os interesses mais triviais de nossa própria espécie. A esperança está numa cultura que nos ensine a sentir além de nós mesmos. Devemos aprender a empatia, a olhar nos olhos dos animais e sentir que a sua vida tem valor (resumido e adaptado do documentário “Terráqueos”; parte I*)
No que tange ao aspecto legal, é possível afirmar que o Brasil possui uma legislação (ambiental e de proteção animal) razoavelmente avançada [1]. Isso pode ser constatado no capítulo VI, artigo 225, da Constituição Federal, ou na Lei 9.605 – a “Lei de Crimes Ambientais” – de fevereiro de 1998, as quais englobam tanto questões ambientais quanto de proteção animal. Mas mesmo antes destas, já existiam outras como o Decreto Lei 24.645/34, além de documentos sem força de lei, mas importantes, como a “Declaração Universal dos Direitos dos Animais”, de janeiro de 1978, da qual o Brasil é signatário. De fato, leis são imprescindíveis. Mas enquanto as leis se referem a um universo coercitivo – isto é, têm um caráter punitivo – a educação se move predominantemente dentro da “liberdade como consciência da necessidade”. Pela mudança cultural aprendemos que é preciso rever uma determinada atitude porque tal mudança é justa e necessária e não porque seremos punidos ou “iremos para o inferno”, como nos fariam acreditar muitas religiões. Essa é a verdadeira libertação. De fato, seria lamentável deixar que a coerção guiasse nossas atitudes porque isso não seria o reflexo de escolhas e sim de imposições. E educação não é adestramento. Uma educação crítica e libertadora deve favorecer a formação de cidadãos conscientes da parcela de responsabilidade que têm pela saúde e integridade não apenas de seus corpos, mas de outros corpos e demais componentes da biosfera. Devemos nos tornar “autônomos e solidários” e não individualistas e marcados por uma cultura massificada, ou seja, “autômatos e solitários”.
A educação é, em tese, o melhor caminho: A educação como solução (?)
No que diz respeito especificamente aos animais de estimação, problemas como o abandono, os maus-tratos e o comércio cruel de animais de estimação são algumas facetas da mesma moeda. Em vez de aplicar procedimentos coercitivos – como leis que criminalizam o abandono de animais – poderíamos estimular uma mudança de valores. E a educação nem precisa ser um “remédio amargo”. Há um ditado que diz que “é de pequenino que se torce o pepino”, isto é, quanto mais cedo aprendermos que não é eticamente correto fazer algo, como causar sofrimento aos animais (e o caso dos pets é apenas um entre inúmeros exemplos), menos necessidade de punição ou coerção haverá no futuro. Mas lamentavelmente estamos distantes de um cenário no qual a educação possa guiar nossas atitudes. Faço parte de um grupo que criou uma cartilha destinada à educação de crianças, visando à guarda responsável e ao tratamento ético dos animais. Mas apesar de o Poder Público (Coordenadoria do Bem-estar Animal de Florianópolis) ter investido na confecção de 10.000 exemplares desta cartilha, poucas são as escolas que estão fazendo um trabalho com elas. Muitos professores já me disseram abertamente que acham uma perda de tempo tratar de questões que envolvem a integridade dos animais quando têm que enfrentar problemas muito mais graves como adolescentes grávidas, tráfico de drogas, insubordinação de crianças e adolescentes rotulados como “hiperativos” etc. Compreendo que estes são problemas de grande magnitude e complexidade. Mas na minha incorrigível mania de ver “tudo ligado a tudo”, acredito firmemente que quem aprende desde cedo a respeitar os animais – a vê-los como seres sencientes, “sujeitos de uma vida”, como diz o filósofo Tom Regan – tem muito mais chance de agir eticamente nos mais diversos setores de suas vidas. Um aprendizado facilita o outro. Os domínios cognitivo e afetivo se entrelaçam e as premissas são extrapoladas para além de seus limites: se tornam transfronteiriças, se amalgamam. Se começássemos já, em menos de uma geração seria possível transformar profundamente o quadro de descaso que vemos hoje. E isso vale em muitos outros âmbitos. Na verdade o tratamento ético para com os animais não humanos é parte de um todo maior que envolve uma transformação radical na educação e nos valores dominantes em nossa sociedade.
Um comentário:
Parabéns pelo blog. Está ótimo, muito informativo e interessante. abraços!
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